CLAUDIO DE SOUZA
Editor de UOL Carros, enviado especial

Hoje é sábado, e por isso vou me permitir contar uma historinha aqui no Blog da Redação, que abriga nossa cobertura do Salão de Paris. Os personagens somos eu, um punhado de Bentleys, um assessor folgado e o fotógrafo Murilo Góes.

Em 2007 cobri pela primeira vez um salão de carros internacional. Foi o de Frankfurt, na Alemanha, que é o maior do mundo em termos de tamanho (quem quiser conferir como foi esse trabalho pode clicar aqui). Num dos dias abertos somente à imprensa passei em frente ao estande da Bentley. Eu jamais havia entrado num daqueles carros absurdamente luxuosos, e foi com um misto de curiosidade pessoal e interesse jornalístico que me aproximei para admirá-los em detalhes.

A chateação aconteceu já no primeiro Bentley que abordei (não lembro qual era). Eu estava de calça jeans e mochila nas costas, e fui entrando no banco traseiro do modelo para experimentar, ainda que de modo fugaz, aquela sensação de milionário-com-jarbas-ao-volante.

Foi então que um rapazola muito do engomadinho chegou-se a mim com uma cara misturando pânico e ódio, e começou a me dar uma tremenda bronca em inglês. Demorei uns segundos para compreender que ele trabalhava no estande e que tinha ficado bravinho porque, quando entrei no Bentley, minha mochila esbarrou na lataria. Não aconteceu absolutamente nada com a pintura, mas ele surtou como se.

Eu, muito político, saí da cabine e disse, "Sim, sim, eu sei que é um carro caro, hehe". Mas o sujeitinho continuou com seu blablablá raivoso, até finalmente atingir o auge da boçalidade: "De jeito nenhum você vai entrar num Bentley usando calça jeans". O temor era que a forração dos bancos, no mais nobre couro de tom claro, fosse danificada.

Este é o carro de 200 mil euros que não é à prova de jeans
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Meu queixo caiu, mas resolvi não arrumar confusão e me afastei. Fiquei de longe, observando como se comportavam os visitantes que, à vontade, entravam e saíam dos Bentleys sem que aquele bedel de banco e lataria interferisse. A favor dele, reconheço que nenhum usava jeans (até o ex-craque Beckenbauer passou por lá). Mas muitos tinham pastas, sacolas e maletas — tão ameaçadoras aos indefesos Bentleys quanto minha "perigosa" mochila.

Mais de três anos se passaram e, neste Salão de Paris (muito mais agradável de cobrir, diga-se), a Bentley apresentou o novo Continental GT, que de fato é uma joia de carro, mesmo pertencendo a uma realidade que exclui 99,99% dos 6 bilhões de habitantes da Terra. Estive no evento especial que o grupo Volkswagen — dono da marca britânica — realizou na véspera da abertura do salão, e nele o novo carrão foi mostrado com toda a exuberância de seu motor W12 e seus 200 mil euros de preço sugerido.

Confesso que considerei minha missão cumprida e não cheguei a visitar o estande da Bentley nos dias seguintes. A correria era muita e havia carros mais "reais" para mostrar a você, leitor. Mas pedi ao fotógrafo Murilo Góes que fizesse imagens do novo Continental GT.

Quando estávamos escolhendo as fotos que resultaram neste álbum, vi que havia algumas do luxuosérrimo interior do cupê. Imediatamente me lembrei do desagradável episódio de 2007, e gritei: "Murilo, você conseguiu tirar fotos do interior de um Bentley!!" E ele: "Sim, claro, um sujeito lá do estande até abriu as portas pra eu fotografar…"

Comecei a me sentir um frouxo por não ter, três anos atrás, dado um chega-pra-lá naquele chato e entrado no Bentley de jeans, camiseta, tênis e mochila, e que se danasse a frescurite gringa — mas então percebi que os ângulos das fotos do Murilo eram laterais.

"Você não entrou no carro, entrou?" "Não, não. Tirei de fora para dentro. Não queriam que os fotógrafos sentassem nos bancos".

Olhei para meu grande colega de cobertura. E ele estava, como sempre, de jeans.

Moral da história: Felizes somos nós, que não podemos entrar num Bentley mas vestimos calças confortáveis.

Foto: Murilo Góes/UOL