A teoria do relógio de US$ 3.000
CLAUDIO DE SOUZA
Editor de UOL Carros
Há duas semanas eu estava em Detroit, na cobertura do principal salão automotivo norte-americano, e fui almoçar com os colegas jornalistas num restaurante no prédio-sede da General Motors. Sentado à minha frente estava um repórter de um jornal de Brasília. Conversa vai, conversa vem, reparei no relógio dele. Vistoso, mas elegante, parecia um daqueles modelos de US$ 3.000 que costumamos ver no pulso da chamada elite brasileira — sabe aqueles programas de entrevistas em que um apresentador mauricinho conversa com um executivo e/ou empreendedor idem? O relógio era desse naipe.
Fiz uma piadinha com o colega a respeito dos prováveis altos salários pagos a jornalistas no DF, a ponto de poderem comprar um relógio como aquele. A resposta: "Não, não. Parece caro, mas é barato. Aliás, comprei aqui nos Estados Unidos mesmo, por uns US$ 100".
Volte ao que eu falei ali em cima: parecia um relógio 30 vezes mais caro do que isso.
Agora, observe a foto (amadora, eu sei, mas enfim) do painel de instrumentos abaixo:
Note como ele é bem resolvido nas proporções dos círculos e semicírculos, na facilidade de leitura, no bom gosto gráfico. É mentira, mas o velocímetro diz que o carro pode ir a 200 km/h. A faixa vermelha no conta-giros vai de 6.000 a 7.000 rpm, mas a 5.000 rpm o motor já grita loucamente. Não há computador de bordo, mas a telinha digital faz parecer o contrário — bastaria apertar algum botão, em algum lugar, para ele funcionar…
Mas é preciso dirigir o carro para saber disso. Em suma, o painel vale US$ 100, mas parece valer US$ 3.000.
É um mérito do modelo que o abriga: o Novo Uno, versão Attractive com motor de 1,4 litro. Trata-se de um carro com um interior tão bem feitinho, tão bonitinho e simpático, que parece ser o de um carro muito mais caro. Esse painel, por exemplo, não é muito diferente (em termos visuais) do que vem no Cinquecento, que custa o dobro do Novo Uno; também não fica atrás (mesmo em conteúdo) de modelos nacionais mais dispendiosos da própria Fiat. Até há pouco tempo, os Volkswagen Gol e Fox seriam humilhados por esse quadro de instrumentos, mesmo em suas versões top. E tudo que tem nele, tem no Honda Civic também.
Se há uma montadora no Brasil que entende de marketing, essa montadora é a Fiat. Imagem é tudo, não é?
Em tempo: ainda na minha viagem aos EUA, procurei e achei um relógio da mesma marca daquele do colega candango. Até mais imponente e arrojado, eu diria. Preço: US$ 100. Comprei, e sabem por quê? Porque não queria deixar escapar a chance de poder ir a uma festa ou a um restaurante e todo mundo achar que estou montado no dinheiro, a julgar pelo que levo no meu pulso. Logo eu, que normalmente me visto como moleque e uso relógio quase-de-camelô-da-25!
Dirija um Novo Uno e não pareça dono de um carro quase-popular. É assim que (ainda) funcionam as coisas em nosso país.
PS — A pedidos: os relógios citados são da marca Fossil. O meu custou o equivalente a R$ 175; fiz uma busca na web e encontrei-o por R$ 520. Ou seja: assim como no caso dos carros, no Brasil também pagamos demais por relógios…
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